A maioria das crianças e adolescentes brasileiros vítimas de violência sofre as agressões dentro da própria casa. Esse público também é alvo de violências não letais, além dos casos de homicídios. Informações são do Atlas da Violência 2024 divulgados na terça-feira (18).
Segundo o relatório, na categoria local da violência a residência aparece como o ambiente de maior incidência de agressões físicas, sexuais, psicológicas, negligência e abandono contra infantes, crianças e adolescentes de zero a 19 anos. Dados compreendem o período de 2012 a 2022.
De acordo com os números apresentados, a residência foi cenário das violências em 67,5% das notificações envolvendo crianças de zero a 4 anos; em 65,6% dos casos com crianças de 5 a 14 anos; e 47,5% dos registros com adolescentes de 15 a 19 anos. Comparado com outros locais de ocorrência de registros de violência, a categoria residência é disparada a maior entre as demais.
Por essa razão, a violência familiar foi tida como a de maior frequência, conforme consta no documento. Ao todo 546.257 crianças e jovens de zero a 19 anos sofreram com a violência doméstica ao longo de 11 anos no país. O dado mostra que a faixa etária infanto juvenil não está segura nem mesmo dentro das próprias casas.
Além da residência, não é possível conhecer o segundo local de maior ocorrência da violência contra o público de crianças de zero a 4 anos, pois a categoria é pouco descritiva, sendo classificada como “Outro”, com 13,1% dos registros.
Já em crianças de 5 a 14 anos, na segunda posição, 10,4% dos registros ocorreram em via pública. No caso de adolescentes de 15 a 19 anos, a violência ocorreu também em vias públicas em 29,2% das notificações, sugerindo diferenciada dinâmica de violência com o passar de idade.
Outro dado que chama a atenção é que 5,4% das crianças de 5 a 14 anos sofreram violência dentro das escolas. O relatório aponta a informação como “extremamente preocupante, tendo em vista os possíveis impactos no seu desenvolvimento educacional”.
Nos 11 anos analisados, infantes são as principais vítimas de negligência (61,7%), crianças são as que mais sofrem violência psicológica (53,5%) e sexual (65,1%) e adolescentes são alvos predominantes de violência física (59,3%).
A publicação do estudo é feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) com dados do Sistema Único de Saúde (SUS). As violências não letais são registradas através de notificações hospitalares no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde (MS).
De acordo com a psicóloga que atende público infantojuvenil, Mayara Machado Guedes Vicente, viver em um ambiente de violência pode afetar profundamente a vida de uma criança ou adolescente, aumentando as chances de desenvolver ansiedade, depressão, transtorno do pânico e outros problemas psicológicos.
“Essas crianças, ao se tornarem adultas, podem enfrentar dificuldades nos relacionamentos, muitas vezes se envolvendo em relações abusivas com parceiros que apresentam comportamentos semelhantes aos de seus pais. Devido à violência sofrida na infância, elas podem acabar vendo essas relações como normais, perpetuando o ciclo de violência com seus próprios filhos”, pontua.
A psicóloga narra que já atendeu casos em que pacientes relatam violências no ambiente doméstico e cita que o pensamento de que “bater educa” ainda está presente em muitos lares brasileiros.
“Essa abordagem cria um ambiente de medo e insegurança, prejudicando a capacidade da criança de expressar suas emoções, desenvolvendo baixa autoestima, sensações de incapacidade e desvalorização, atrapalhando em seus relacionamentos interpessoais saudáveis. Tal como outros prejuízos ao longo da vida”.
Quando o ambiente que deveria ser acolhedor e seguro para crianças e adolescentes torna-se problemático, é questionável de que forma pode se proporcionar auxílio e amparo as vítimas.
Mayara explica nestes casos a escola é um dos locais mais acessíveis socialmente para oferecer apoio a jovens que possam estar enfrentando violência em seus lares, pois é um ambiente onde passam grande parte do tempo.
É fundamental que professores e membros da comunidade escolar estejam atentos a alunos que apresentem faltas excessivas, sinais como agressividade, crises de ansiedade, choros frequentes, isolamento, desânimo e apatia. A depender do caso se faz necessário acionar os órgãos responsáveis pela proteção da criança e do adolescente.
“É importante lembrar que cada criança e adolescente reage de maneira única às situações, portanto os sinais podem variar significativamente. É essencial oferecer apoio emocional adequado e criar um ambiente familiar seguro e acolhedor onde crianças e adolescentes se sintam confortáveis para expressar livremente seus sentimentos e pensamentos. Mostrar que o que eles têm a dizer importa e acolher suas emoções, evitando desvalidar ou desvalorizá-los, tudo isso é essencial para construir uma relação de confiança e respeito mútuo”.
Fonte: Gazeta Digital
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