Quem passa pela famosa rua 24 de Outubro pode reviver a nostalgia dos tempos dos tradicionais bulixos cuiabanos e adquirir utilidades domésticas no Armazém Abraão. Este mês, o local completa dois anos de sua reabertura e desperta memórias afetivas em quem entra no estabelecimento, com itens que remetem aos pais e avós de muita gente.
Com a frase “sempre servindo bem” no toldo da fachada, o negócio familiar atravessa gerações e resiste em meio às mudanças e transformações da contemporaneidade. Hoje quem gerencia o estabelecimento é o comerciante Leonardo Antonio Moraes Zaque, 33, bisneto do patriarca seo Abraão, fundador da venda. A reabertura mais recente do espaço teve ajuda de Francisco Carlos Monteiro da Silva Zaqui, 67, pai de Leonardo e neto de Abraão.
“O nome Armazém Abraão é por conta de meu avô, mas antigamente lá no centro era a Casa F, no ponto vizinho do Foto Chau, na Ricardo Franco, nos anos 50 e ficou até 76. Aí passou para o meu pai Alberto e teve um tempo que fechou e abriu de novo, depois veio pra cá”, recorda Francisco.
Entre as idas e vindas por mais de 15 anos quem levou o negócio adiante foi Alberto Zaque, filho de seo Abraão. Quando o estabelecimento migrou para a 24 de Outubro, seo Alberto ainda trabalhou até seus últimos dias de vida.
Devido ao falecimento, a esposa Célia Monteiro da Silva Zaque manteve o comércio por um curto período até que o fechou.
O desejo de dar continuidade ao negócio da família e manter a tradição fez com que Francisco, o único da geração que não tocou o negócio diretamente, reestabelecesse o ponto para o filho Leonardo levar adiante a herança familiar.
A reabertura foi bem recebida pela vizinhança e antiga clientela. “Quando a gente reabriu, as pessoas até falavam que estavam com saudade, muita gente passava aqui e falava que queria ver, que sentiam falta e que passavam aqui e viam que estava fechado. Quando reabriu, gostaram, teve uma boa recepção”, diz Leonardo.
Viagem no tempo e nas memórias do antigo comércio
Lembranças são revisitadas enquanto Francisco conta a história do local. Ele relembra que o pai, Alberto, acordava às 6 horas da manhã e com disposição já colocava os itens na calçada para atrair a clientela. Organizado e metódico, sempre recolhia tudo ao final da tarde e colocava nos mesmo lugares de onde havia retirado cedo. Assim fez dia após dia.
Antigamente, o balcão de pagamento quase não se podia enxergar através das pilhas de utensílios sobrepostos e lado a lado. As paredes eram também repletas de itens, uns empilhados, outros pendurados, outros pelo chão. Em meio ao mar de mercadorias, Alberto sabia exatamente onde estava cada peça.
Para Francisco, a durabilidade dos itens é o diferencial em relação aos produtos fabricados atualmente. Existem no local mercadorias em perfeito estado que foram encomendadas ainda na época do pai.
Dentre alguns dos itens é possível encontrar os clássicos filtros de barro São João, cestos de vime e taquara, vassouras de palha, colheres de madeira, escumadeiras, potes, panelas de ferro, vasos, chapéus de palha, ralador, regadores de plantas, baldes, ratoeiras, pilão, lamparina, lampião e até os penicos.
Do antigo “secos e molhados” restaram somente os secos, mas pai e filho recordam que antigamente o local vendia desde farinha e cereais, furrundu, compotas e doces tradicionais da baixada cuiabana, iogurte, frios e variedade de itens alimentícios.
A queda drástica no movimento nos últimos anos, reflexo da modernização e da tomada da cidade por grandes redes de supermercados e franquias de lojas de utilidades, não é o único percalço para os pequenos negócios..
Aquisição dos itens mais artesanais tem ficado cada vez mais complexa, pois os antigos artesãos partiram e são poucos os que têm filhos ou netos que com habilidade de manejar as cestas e cestos de taquara, chapéus de palha, os antigos “sucuri”, utensílio de palha para escorrer massa de mandioca para fazer farinha e até produtores de violas de cocho.
Mesmo com dificuldades, pai e filho não desanimam. O jeito é fazer adaptações. Em virtude dos novos tempos, a antiga balança Filizola e a caixa registradora hoje dão lugar a máquina de cartão e o QR Code para pix exposto no balcão. Aderir a algumas modernidades ajuda a manter o negócio, que hoje tem até Instagram e Tik Tok.
A resistência do espaço marca a memória e tradição da cuiabania.
Fonte: Gazeta Digital