Em 13 de maio de 1888 ocorreu a abolição da escravatura no Brasil. Em Cuiabá, o ato foi festejado pela população por quase um mês. Já com 136 anos desde o fim da escravidão, a realidade mostra que ainda são muitos os desafios a serem superados para a igualdade racial e muitos lugares a serem ocupados.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública mais recente (de 2023), entre as vítimas de crimes violentos, a grande maioria ainda é de negros. A pesquisa aponta que 76,5% das vítimas de homicídio doloso eram negras, assim como 83,1% dos mortos em confrontos com a polícia.
O anuário também mostra que a massiva maioria da população carcerária é de pessoas negras. Em 2022, o Brasil tinha cerca de 442 mil negros encarcerados, sendo que o número de brancos presos era menos que a metade disso, cerca de 197 mil.
Com relação à ocupação dos espaços, nos mercados de trabalho mais concorridos a população negra ainda é a minoria. Conforme a pesquisa Demografia Médica no Brasil 2023, realizada pela Associação Médica Brasileira, apesar do índice ter aumentado, o número de negros que ingressaram em cursos de Medicina ainda é muito menor que o de brancos.
Apenas 3,5% dos estudantes se declaram de cor preta. A diferença é um pouco menor quando se considera apenas alunos de universidades públicas.
O número de médicos residentes ainda é de maioria branca, sendo que os que se declaram de cor preta são apenas 3%.
O 1º Estudo Demográfico da Advocacia Brasileira, realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), aponta que, em Mato Grosso, apenas 7% dos advogados se declaram de cor preta.
Passado maculado
Vários processos arquivados no Fórum de Cuiabá ilustram como a escravidão era comum na capital.
Um deles, do ano de 1864, trata sobre um processo ainda mais antigo. Ali está narrada a partilha amigável entre os herdeiros do casal Manoel Lopes da Costa e dona Aima Maria de Jesus. Aparentemente bastante abastados, com posses que incluíam 122 cabeças de gado e muitos bens, eles possuíam 12 escravos, cujo valor foi estimado em comum acordo por todos os herdeiros.
Dentre os escravos, Joaquim, 55, e João Criolo, 33, foram avaliados em 500 mil réis cada. Talvez mais apto ao trabalho braçal, Manoel Cabra, 42, valia um conto de réis, assim como o menino José Cabra, 5, avaliado com o mesmo valor. O mais valioso de todos era um escravo chamado Antonio Criolo, um adolescente de 13 anos e avaliado pelos herdeiros por um conto e 600 mil réis.
Sebastião, apesar de contar com apenas 21 anos, tinha um problema no fígado e, por isso, valia à época para a família apenas 800 mil réis, bem menos que a menina Benedicta Criola, 8, cujo valor de mercado era de um conto e 200 mil réis. A mais jovem do grupo, Carolina Parda,2, foi avaliada em 600 mil réis.
Outro caso fala sobre os escravos Antonio, 26, Balbina, 34, Benedicta (30 anos), Epifania, 21, e Francelina,22, eram considerados posse de Manoel José Moreira da Silva, cujo inventário foi conduzido por seu filho, Manoel José Moreira da Silva Júnior. No processo, João José Moreira da Silva, também filho do inventariado, concedeu liberdade por disposição testamentária ao grupo de escravos, em 8 de outubro de 1878. Isso ocorreu quase 10 anos antes de ser sancionada a lei que extinguia a escravidão no Brasil.
Abolição festejada
De acordo com a Coordenadoria de Cultura e Resgate Histórico da Câmara Municipal de Cuiabá, a capital de Mato Grosso foi uma das sedes dos festejos sobre a abolição, feitos por negros (escravos e libertos) e aliados das ideias de libertação.
Segundo a Câmara, o número de escravos na capital da província mato-grossense era insignificante porque a escravidão se sustentava com atividades econômicas sólidas e produtivas, e a cidade de Cuiabá já não vivia tempos de riquezas como a do período de exploração do ouro.
Na ata da sessão parlamentar do dia 9 de junho daquele ano, foi registrado o pedido de cidadãos cuiabanos ao presidente da Câmara, o senhor Antônio Augusto Ramiro de Carvalho, para que disponibilizasse para o dia seguinte, às 17h, uma banda de música para os cuiabanos festejarem o ato da abolição completa da escravidão no Brasil.
Fonte: Gazeta Digital