Primeira Constituição da República foi marcada por coronelismo e o voto de cabresto, avalia professor

Nos primeiros 300 anos o país esteve sob domínio do absolutismo português. Uma melhora, apesar de pequena, só veio após a independência

Neste 24 de fevereiro é celebrado o dia da promulgação da segunda Constituição Brasileira, a primeira do país como República. Em 2024 a data completa 133 anos. Apesar dos avanços em relação ao Brasil imperial, principalmente na participação política, ela não é considerada tão democrática. Pelo menos é como avalia o professor Marcos Macedo Fernandes Caron, do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Aquele foi o período em que teve mais força o coronelismo e o voto de cabresto.

 

Em entrevista, o professor Marcos Caron afirmou que o Brasil tem uma tradição autoritária. Nos primeiros 300 anos o país esteve sob domínio do absolutismo português. Uma melhora, apesar de pequena, só veio após a independência.

 

"Nós não temos nenhum elemento de democracia ou de cidadania no nosso regime colonial. Aí ficamos independentes em 1822, era para vir um estado nacional, pelo menos nas intenções iniciais. Dom Pedro I já influenciado e temeroso, digamos, da monarquia, porque viu os reis serem decapitados na revolução francesa, tenta colocar o que seria uma monarquia constitucional. Ele cria uma Constituição, de 1824".

 

O professor explica que neste período as eleições funcionavam por meio do sufrágio censitário, que é a concessão do direito do voto apenas àqueles cidadãos que atendiam a certos critérios econômicos.

 

"Só vota e é votado quem tem renda. Então a participação política nas eleições do império eram para deputado e senador, apesar de ter um imperador autocrático você tem senadores e deputados eleitos. [...] o máximo de participação, as pesquisas apontam, é 4% da população, que tinha engajamento com o Estado, 96% está fora do processo político, mulheres não votam, pobre não vota, nem classe média, só vota uma certa elite", disse.

 

Após a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, o Brasil assistiu a mudanças significativas no seu sistema político e econômico. O marechal Deodoro da Fonseca, proclamador da República e chefe do governo provisório, nomeou uma comissão de 5 pessoas para apresentar um projeto a ser examinado pela futura Assembleia Constituinte. Em 24 de fevereiro de 1891 foi promulgada a primeira Constituição da República.

 

Segundo o professor Marcos Caron, nesta época foi criada a ideia de cidadão pelo Estado, em que todos poderiam votar. No entanto, não eram exatamente todos que podiam votar, a participação política da população ainda era de apenas 36%, já que mulheres e analfabetos não tinham direito a voto.

 

"Mesmo assim nós aumentamos a participação, se antes eram 4% dos cidadãos que tinham direito a voto, agora eram 36% dos cidadãos. A República aumentou, mal ou bem, a ideia da presença do cidadão pelo Estado. Não tinha mais voto censitário, mas não podia ser analfabeto, só que mais da metade da população era analfabeta", explicou.

 

Além disso, um grande problema que surgiu, segundo o professor, foi o voto em defesa de interesses pessoais, no lugar de interesses da sociedade.

"Uma verdadeira oligarquia que se estabeleceu com o regime republicano, a chamada República do Café com Leite. São Paulo e Minas Gerais se alternavam com os presidentes. Teve coronelismo, do chamado voto de cabresto. Votos de um imenso Brasil de zona rural em que governadores e chefes locais, fazendeiros controlavam a eleição". pontuou.

 

Caron cita o "clientelismo", em que o eleitor era tratado como cliente, "fisiologismo", em que o voto era negociado em troca de cargos ou favores, e o próprio "coronelismo", o que acabava fazendo com que a sociedade não fosse democrática, já que o voto não era secreto.

 

"Do ponto ideal de uma democracia você vota em alguém porque acredita que vai fazer uma coisa melhor [...] Então essas palavras 'clientelismo', 'fisiologismo', 'mandonismo', em que os coronéis que mandavam, tudo isso dominou os nossos primeiros 30 anos da República, a chamada República Velha. Tínhamos eleições, cargos eleitos, mas não se pode dizer que tínhamos uma sociedade democrática com liberdade de expressão", argumentou.

 

O professor avaliou que, dos mais de 500 anos de história do Brasil, pouco mais de 50 foram com regimes democráticos.

 

Apesar disso, a Constituição de 1891 trouxe inovações como: instituição da forma federativa de Estado e da forma republicana de governo; estabelecimento da independência dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; separação entre a Igreja e o Estado, não sendo mais assegurado à religião católica a condição de religião oficial; e instituição do habeas corpus (garantia concedida sempre que alguém estiver sofrendo ou ameaçado de sofrer violência ou coação em seu direito de locomoção – ir, vir, permanecer –, por ilegalidade ou abuso de poder).



Fonte: Gazeta Digital