O processo
Figuram no polo passivo do processo, além de Eraí e do Grupo Bom Futuro, a mulher do agropecuarista, Marilene, os filhos Kleverson, Kleidimara e Antonio, e a holding EMK2A, que administra o patrimônio da família. A Bom Futuro tem o capital social avaliado em R$ 1,5 bilhão, enquanto a EMK2A tem capital social de R$ 1,2 bilhão.
No processo, Renato conta que Eraí sempre soube que o caso extraconjugal com uma de suas cozinheiras tinha resultado no nascimento de um filho. A relação ocorreu em 1989, quando Eraí tinha 30 anos e a mãe de Renato estava com 18. O empresário já era pai de Kleverson, Kleidimara e Antonio, nascidos em 1983, 1985 e 1987, respectivamente.
Renato nasceria em agosto de 1990. Hoje, está com 33 anos e disse ter feito um teste de DNA quando tinha entre 5 e 7 anos, o que, segundo ele conta no processo, não levou Eraí a reconhecer a paternidade. Desde então, porém, também de acordo com Renato, ele recebeu ajudas financeiras de representantes legais do agropecuarista.
Renato trabalha como motorista em Nova Olímpia, cidade mato-grossense de 16 mil habitantes e que está a 204 quilômetros de Cuiabá. Ele alegou no processo que foi abandonado e não teve nenhum contato com o pai ao longo da vida. “No caso dos autos, revela-se a triste história que expõe não apenas o abandono, mas a clara indiferença, desprezo, menosprezo, de um pai para com seu filho; de irmãos para com outro irmão”, afirmam os advogados de Renato na ação. O reconhecimento da paternidade ocorreu no dia 8 de outubro de 2020, a pedido de Renato. O empresário mandou em seu lugar um procurador assinar o documento que reconhecia o filho. Com o acordo, Renato passou a usar o sobrenome Scheffer, como os demais filhos de Eraí, e recebeu R$ 250 mil para comprar um imóvel, fora uma pensão mensal de R$ 12.500, válida por cinco anos.
Os advogados de Renato alegam, contudo, que “inúmeras áreas rurais e cotas sociais de empresas” foram transferidas por Eraí aos filhos Kleverson, Kleidimara e Antonio, para que os familiares “fizessem parte de uma “fatia” do império que o pai construíra”. Na ação, a defesa de Renato disse que as transferências de imóveis rurais e de participações nas empresas da família tiveram início em 2008, quando os filhos supostamente não tinham idade para adquirir os bens por esforço próprio, o que significaria que eles receberam doações de Eraí em vida.
A holding EMK2A, criada pela família em 2013, tem como sócios Eraí e os três filhos. A empresa sofreu dez alterações contratuais até abril de 2022, como mostram os documentos apresentados por Renato na ação. No período, os filhos de Eraí passaram de uma cota cada da empresa, no valor de R$ 1, para um total de quase R$ 840 milhões. A última alteração contratual, de abril de 2022, mostrou que Eraí ficou com R$ 416 milhões de cotas da holding.
À Justiça, Renato justificou que o processo é pertinente porque o pai está “transferindo todos os seus bens para os filhos/requeridos, esvaziando gradualmente seu patrimônio”. Ele afirmou que é preciso ter acesso à real evolução patrimonial da família Maggi Scheffer, para que, “em um futuro longínquo, em sede de inventário, não se percam/pereçam ou se fraudem eventuais provas que possam averiguar possível doação inoficiosa”.
A legislação brasileira determina que 50% do valor de heranças seja dividido entre os herdeiros necessários do morto, ou seja, os descendentes (filhos, netos e bisnetos), ascendentes (pais, avós e bisavós) e o marido, mulher ou companheiro(a).
O patrimônio
O Grupo Bom Futuro tem um papel de destaque no agronegócio brasileiro, ao transformar áreas antes destinadas apenas ao pasto em plantações superprodutivas e que ajudaram o Brasil e virar uma potência agrícola. Os irmãos Maggi Scheffer saíram do Paraná, rumo a Rondonópolis, para ajudar o tio, André, que havia arrendado uma fazenda na região em 1982. A propriedade tinha, à época, 2.500 hectares de agricultura e 1.000 hectares de pecuária. A técnica de plantio direto, implementada a partir de 1990, aos poucos levou a empresa para outro patamar. E, em 2002, a Bom Futuro alcançou os primeiros 100 mil hectares de área cultivada. Cada 1,08 hectare tem a medida de um campo de futebol.
Hoje, além das centenas de milhares de hectares destinados à agricultura e à pecuária, o Grupo Bom Futuro mantém 255 hectares de lâminas de água, que produzem três mil toneladas de peixes híbridos por ano, onze hidrelétricas, três usinas fotovoltaicas e um aeroporto para voos executivos. A produção, por safra, gira em torno de 1,3 milhão de toneladas de soja e de 300 mil toneladas de pluma de algodão.
O todo-poderoso
O poderio econômico de Eraí garante a ele uma grande influência política. Eraí foi o padrinho da indicação do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, do PSD do Mato Grosso, para ocupar o cargo no governo Lula. O agropecuarista tem histórico de afinidade com o PT e chegou até a declarar voto em Dilma Rousseff, no conturbado pleito de 2014. Durante a campanha presidencial de 2022, Eraí esteve com Lula, em segredo, para discutir estratégias para o PT dirimir as resistências no setor, uma fortaleza de apoio ao bolsonarismo. Os encontros tinham a presença de Fávaro, do ex-ministro Neri Geller e de Carlos Ernesto Augustin, outro megaprodutor de sementes de soja. Geller tornou-se secretário de Política Agrícola da pasta, e Augustin, conhecido como Teti, virou assessor especial do ministro.
Quem também apoiou (de forma velada) a candidatura de Lula foi o ex-governador e ex-ministro Blairo Maggi, o integrante mais famoso da família. Blairo, dono da empresa Amaggi, disputou por anos com o primo Eraí o título de Rei da Soja, dado ao maior produtor individual de grãos do mundo. Antes de investir na diversificação de culturas, Eraí estampou uma página inteira no jornal britânico The Guardian, com um perfil que discutia se o empresário era um “vândalo ambiental ou o salvador dos pobres do mundo”.
Em maio do ano passado, Eraí foi um dos 245 participantes indicados por Lula para o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social e Sustentável, o “Conselhão”.
As relações estreitas entre Eraí e Fávaro já renderam questionamentos no mundo político e na Justiça. A coluna revelou, em agosto do ano passado, que Fávaro destinou R$ 47,2 milhões em emendas parlamentares para serviços de manutenção e recuperação de estradas que atendem diretamente as fazendas de Eraí no Mato Grosso. O empresário, na ocasião, afirmou que a Bom Futuro planta em 42 das 141 cidades do estado, e que qualquer programa de estradas “provavelmente vai pegar alguma área em que a Bom Futuro planta”.
Também no ano passado, a Aprosoja, associação próxima ao bolsonarismo, moveu uma ação judicial por danos morais coletivos, no valor de R$ 635 milhões, contra o Estado do Mato Grosso e uma entidade presidida por Eraí. O processo foi protocolado após Fávaro atender a um pedido de Eraí para autorizar a produção comercial de soja durante o vazio sanitário, um período em que o cultivo é proibido para evitar a proliferação de pragas.
Não que Eraí tenha sido sempre persona non grata no bolsonarismo. Na campanha de 2018, após o atentado a faca contra Bolsonaro, o empresário foi até São Paulo para visitar o então candidato no hospital Albert Einstein. Uma foto divulgada em grupos de WhatsApp mostrava o empresário fazendo sinal de positivo e sorrindo ao lado da cama de Bolsonaro. Meses depois, após a eleição, o jornal Estado de S. Paulo noticiou que Eraí foi o culpado por Magno Malta não ter assumido um ministério no governo. Bolsonaro teria ficado irritado com as movimentações de Malta, que fez viagens ao Mato Grosso, em um jatinho de Eraí, para conversar sobre a aproximação com a família Maggi.
Outro lado
A coluna procurou Renato para ouvi-lo sobre o caso, mas não obteve retorno. O escritório Ávila & Ávila Advogados, que representa o filho de Eraí na ação, disse que eles não se pronunciariam sobre o assunto.
Eraí falou com a coluna por telefone e negou as alegações de que abandonou Renato. O empresário disse que assumiu o filho assim que teria sido informado sobre a sua existência, o que teria ocorrido quando Renato tinha 11 anos, e que até hoje oferta todas as condições para que ele tenha uma vida confortável.
“O Renato está de boa. Ele tem plano de saúde, plano de tudo quanto é coisa. Toda a vida foi assistido. Ele já tinha seu salário antes de sair o DNA. A [minha] relação é 100% [com ele]. Ele tem a vida dele lá, eu tenho a minha”, afirmou.
O agropecuarista declarou que Renato só pediu para ter a paternidade reconhecida formalmente em 2020. “Quando ele pediu, eu dei. Por que ele não pediu antes? Porque a vida toda estava bem assistido. Sempre tive pessoas que cuidaram 100% dele. Todos os exames médicos, eu quis mandá-lo para estudar em São Paulo, mas depois ele não quis”, disse.
“Com a mãe dele eu falo quase todo dia. Os advogados querem saber sobre essa questão aí. Com ele está tudo certo”, afirmou Eraí. Ao ser questionado sobre os motivos que levaram ao processo, o empresário declarou que a herança de Renato está preservada e que “os advogados provocam tudo”.
“O dele está preservado. Metade é da minha esposa e a outra metade é dos meus filhos. Meus outros filhos têm negócios, são empresários. São eles que tocam a empresa”, disse. Sobre a cessão de cotas da holding EMK2A aos filhos, Eraí afirmou que “tudo está sendo feito dentro da lei, nada fora”.
Fonte: Metrópoles